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Tipologia de Treinamentos na Perspectiva Organizacional - Como Definir o Perfil do Investimento e Escolher o Melhor Método de Avaliação de Eficácia de Treinamentos

Claudemir Oribe é Mestre em Administração pela Fundação Dom Cabral/PUC Minas, consultor e instrutor em gestão de Treinamento e Desenvolvimento, Indicadores de RH e Gestão de Competências. E-mail claudemir@qualypro.com.br.

01/05/2012

1. INTRODUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO

Existem muitas formas de avaliar treinamentos. Desde o trabalho pioneiro de Kirkpatrick, vários autores desenvolveram técnicas e métodos que propõem determinar o grau em que as atividades de aprendizagem cumpriram seus objetivos. Muito do que existe na metodologia é autêntico e único. Outra parte dela é composta de estratégias e instrumentos comuns, mesmo que possuam denominações específicas, consistindo de certa convergência conceitual.

A diversidade metodológica oferece opções ao profissional de RH. No entanto, devido a vários fatores, a pluralidade consegue mais confundir do que ajudar, pois poucos estudos e análises se propõem a organizar a metodologia. O resultado dessa plethora é a inadequação, um certo desarranjo prático, o erro pelo uso incorreto ou a inação, devido ao estado permanente de dúvida sobre como fazer a avaliação.

O profissional de RH, ou mais especificamente de T&D, se sente impotente e a organização acaba não percebendo resultados, muito embora tenhamos à nossa disposição métodos e técnicas para avaliar qualquer coisa, de várias formas e sob vários pontos de vista.

O que se pretende com este texto não é oferecer mais métodos de avaliação de treinamentos, mas organizar a metodologia existente, oferecer uma heurística adequada à escolha metodológica e preencher uma lacuna conceitual. A organização dos métodos possibilita ao profissional de T&D compreender melhor os instrumentos que estão à disposição para que possa fazer uma escolha adequada às suas necessidades, de acordo com a situação específica de cada caso. A natureza dos processos de aprendizagem é diversificada e qualquer modelo que se proponha a contribuir para essa questão precisa abranger por completo essa diversidade, não deixando ainda mais lacunas para trás. Isso aumentaria ainda mais a dúvida ao invés de esclarecer, e o trabalho falharia na tentativa de apoiar os profissionais e as organizações nesta questão.

 

2. OS MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DE TREINAMENTOS

2.1 - Os Quatro Níveis

Donald Kirkpatrick é considerado o precursor nesse tema e construiu, há décadas atrás, o modelo de referência para praticamente todos os trabalhos posteriores. Para ele, a avaliação pode ser feita de quatro formas:

  • Reação: satisfação do participante
  • Aprendizagem: retenção de conteúdo ou habilidade desenvolvida
  • Comportamento: conjunto de atitudes para aplicação do que foi aprendido
  • Resultados: mudanças nos resultados do trabalho

Essas quatro formas foram denominadas por Kirkpatrick de níveis (do inglês levels), o que nos remete a patamares, cada qual, ao menos aparentemente, mais elevado que o outro, como andares de um edifício.

Embora a denominação dos níveis seja linear, acrescentando um nível sobre o anterior para cada nível acima, Kirkpatrick e seu filho James, pupilo sanguineo e seguidor do mestre, reconhecem que a maior dificuldade em implementar seu modelo é sair do nível 2 e chegar ao nível 3. Há, portanto, reconhecidamente uma barreira que dificulta a progressão. E talvez existam outras que restringem e caracterizam condições de avaliação diferentes.

2.2 - Retorno do Investimento - ROI

Outro autor notório na área é Jack Phillips que desde a década de 70 adaptou as técnicas de análise de investimento para calcular o retorno do investimento – do inglês return on investiment ou, simplesmente, ROI – dos resultados de treinamento. Phillips propõe isso baseado na observação de que alguns treinamentos atingem resultados financeiros após terem sido aplicados no ambiente de trabalho, o que parece ser bem verdade em alguns casos. A questão decorrente então é - em quais casos? - pois , como toda análise de investimento ela precisa ser feita a priori, ficando a confirmação dos resultados efetivamente objetivos para ser feita a posteriori. Ninguém, afinal, investe dinheiro sem saber o retorno, a liquidez e o risco. E quem o faz, faz por ingenuidade, confiança em excesso ou por considerar o investimento como fundo perdido.

Metodologicamente, Phillips adicionou mais um nível aos quatro de Kirkpatrick. De fato, ele mesmo vem denominando a avaliação de ROI, de nível 5.

2.3 - Avaliação de Desempenho

Além dos métodos de Kirkpatrick e Phillips, que são os mais aclamados e praticados, sabemos que as atividades de T&D podem ser avaliadas por meio da verificação do desempenho do participante. Embora, em geral, essas avaliações sejam tipicamente genéricas e anuais elas podem ser realizadas ad hoc para um treinamento ou programa desenhado para obtenção de um desempenho específico. Evidentemente isso pode ser trabalhoso, o que leva muitas empresas a adotarem instrumentos de avaliação genéricas e simplificadas, ocasionando uma queda abrupta de consistência metodológica. Grande parte desse tipo de instrumento serve para pouca coisa além de ser apresentado como registro a auditores da qualidade pouco fundamentados. Além disso, o desempenho do indivíduo, mesmo que elevado, possui um problema intrínseco: ele não é capaz de mostrar os resultados para a organização. Ele é um resultado intermediário, embora importante, desde que seja bem feito e realizado, o que raramente tem acontecido.

Outro problema da avaliação de desempenho é que ela costuma ser utilizada também em processos de reconhecimento. Essa aplicação é conflitante com a avaliação de eficácia de treinamentos pois, enquanto nessa o indivíduo pode mostrar suas deficiências para identificar necessidades de capacitação, naquela ele trabalha ferozmente para dizer o contrário, que está pronto para assumir novas responsabilidades e que é merecedor de recompensas ou posições mais elevadas.

2.4 - Modelo de Competências

Cerca de dez anos para tivemos a ascenção do modelo de gestão de/por competências. Mesmo que, na verdade, não seja um modelo, mas diversos, eles possuem aspectos comuns, como a avaliação quantitativa do nível de competência. O grau de competência de uma pessoa pode crescer, com ou sem participação em atividades de treinamento. Esse movimento, se avaliado, pode ser atribuído a um esforço de aprendizagem deliberado, mesmo que em parte. A avaliação de competências é, portanto, uma das formas que podem ser empregadas para avaliar treinamentos, embora ela sofra da mesma restrição da avaliação de desempenho, não oferecendo um resultado na perspectiva organizacional. Na verdade, a competência como pré-requisito, usada em processos de recrutamento e seleção, é um resultado ainda anterior ao desempenho que, ao menos, é uma competência de saída, demonstrada e observada no ambiente de trabalho.

2.5 - Retorno das Expectativas - ROE

Mais recentemente, James Kirkpatrick, o filho de Donald Kirkpatrick, propõe a avaliação de retorno das expectativas, do inglês return on expectations ou, simplesmente, ROE. O ROE incorpora o conceito de responsabilidade social corporativa e consiste na avaliação dos impactos eventualmente produzidos nas partes interessadas, sobretudo naquelas em que as demais avaliações anteriores ignoraram, como as comunidades vizinhas, o governo, a sociedade e as gerações futuras. Concluir, por exemplo, que um esforço de marketing interno proporcionou a melhoria da imagem da empresa na sociedade seria um resultado de ROE. Outro exemplo de ROE poderia ser o aumento da arrecadação de impostos decorrente do aumento de vendas, provocado pela implementação de um programa agressivo de treinamento da equipe comercial.

O ROE, por estar num contexto externo à organização, poderia ser denominado de nível 6. E, de fato, Kirkpatrick - o filho, denomina este como o último estágio da avaliação de qualquer atividade de aprendizagem, o que o coloca acima do nível 5.

2.6 - Avaliação da Produção

Finalmente, o último método que será descrito neste texto, é provavelmente um dos mais empregados e envolve a produção ou grau de esforço em atividades de treinamento. Exemplos típicos são a quantidade de horas treinadas por empregado por ano, o total de recursos investidos, a quantidade de eventos realizados ou a abrangência da atuação do T&D entre o total de funcionários.

Esses indicadores são simples e fáceis de coletar, tabular e calcular e oferecem uma idéia do que está sendo feito em termos de mobilização para a formação da mão de obra. Essa facilidade faz deles bastante populares, mas nem é preciso lembrar que esses dados e informações estão muito longe de representar a importância e o impacto desejado pela organização. Tais conclusões são relevantes prioritariamente aos fornecedores de serviços de treinamento, que estão interessados em reduzir seus custos e aumentar o volume de negócios e o preço da hora treinada. Jack Phillips, o pai do ROI, denomina esse tipo de avaliação de nível 0 (zero), o que caracteriza bem a distância que este tipo de avaliação está do contexto estratégico e organizacional.

3. APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL: UM FRAMEWORK PARA ORGANIZAR A METODOLOGIA

Para facilitar o seu entendimento e aplicação, os métodos de avaliação, embora diversos, deveriam ser organizados sob uma mesma estrutura. A teoria da aprendizagem organizacional oferece essa possibilidade. Essa teoria preconiza que as organizações aprendem, porém num sentido metafórico, pois elas não tem cérebro, literalmente falando. São as pessoas que aprendem e transferem esse aprendizado para o grupo ao qual pertencem para, finalmente, atingir a organização. Nonaka e Takeuchi, autores da área da gestão do conhecimento e da inovação, denominam esse construto de dimensão ontológica, que é representado na Figura 1.

 Figura 1: evolução do aprendizado do individual para o organizacional

Da mesma forma, o resultado do treinamento se expande, partindo dos participantes dos eventos e podendo chegar às pessoas com quem eles trabalham. O resultado coletivo disso pode chegar ao nível da organização, se algo extraordinário for obtido. Além disso, um resultado pode, eventualmente, acontecer no ambiente externo, se for deliberadamente preparado para isso, ou mesmo ocasionalmente, na forma de um resultado não esperado.

Assim, os métodos descritos anteriormente podem ser organizados, conforme demonstra o Quadro 1, a seguir.

 

 Quadro 1: distribuição dos métodos de avaliação segundo o construto da aprendizagem organizacional

A avaliação de produção, embora seja um elemento importante, é anterior e pertencente ao domínio do departamento de RH e não se qualifica como um efeito do aprendizado em si. O que essa estrutura mostra é que muito esforço em treinar pode ser feito e muitos métodos para avaliar seu resultado podem ser utilizados. Porém, quando se fala em avaliação de treinamento há que se definir antes em qual nível estamos falando: se do individual, do grupo, da organização ou do ambiental.

4. A CARÊNCIA DE MODELOS DE DECISÃO

Foram descritos aqui nove formas de avaliar treinamentos, o que não significa que cada evento deva ser avaliado de nove maneiras. Isso seria demasiadamente trabalhoso, inútil em diversas situações e, até mesmo, pouco inteligente na maioria dos casos pois, quase sempre, o esforço em treinar e desenvolver possui um foco e, determinar o foco e avaliar apenas nele é a chave da solução da questão da escolha do melhor método.

Já foram feitas tentativas de atribuir determinados métodos de avaliação para cada tipo de treinamento. Phillips, Phillips e Hodges (2004) elaboraram uma tabela cruzando diversos propósitos para avaliar com os níveis de avaliação recomendados, do 1 ao 5, para cada propósito (ver Quadro 2). No entanto, os propósitos listados, em número de doze, não constituem uma tipologia que cresce linearmente, pois são tipos de diferentes naturezas além de, evidentemente, ser um número elevado.

Quadro 2: cruzamento de estratégia de avaliação com níveis de avaliação. Fonte: PHILIPS, PHILLIPS e HODGE (2004, p. 87).

Phillips e Phillips (2007, p. 373) voltaram a reproduzir a mesma tabela numa obra mais recente, no entanto, se percebe que os tipos apresentados não possuem uma ótica organizacional, mas técnica, uma vez que vários desses propósitos constituem objetivos frequentemente educacionais.

Quando se avalia os tipos de treinamento comumente utilizados, é possível perceber que eles foram criados frequentemente apenas para auxiliar na definição de procedimentos relacionados à abordagem pedagógica ou logística associada. A tipologia de treinamentos mais comum é aquela desenvolvida por Bloom e colaboradores, que classifica os objetivos educacionais em cognitivo, afetivo e psicomotor. No Brasil essa classificação é mais conhecida por CHA – conhecimento, habilidades e atitudes. Embora útil e popular, essa classificação não possui intrinsecamente um ponto de vista gerencial e muito menos estratégico.

Assim, a tipologia de treinamentos corrente se presta apenas para decidir tarefas e, por isso, possuem uma perspectiva técnica e departamental. A contradição é que estamos vivenciando o paradigma do RH estratégico, onde o foco é organizacional, senão socio-ambiental. Logo, uma tipologia de treinamentos terá mais poder de mostrar o benefício potencial de cada atividade se ele possuir também uma ótica organizacional e não técnica ou departamental.

Uma tipologia ou taxonomia de treinamentos, academicamente falando, precisa ser estruturada para sustentar decisões estratégicas de investimentos em capacitação de mão de obra e desenvolvimento de pessoas. É o que será proposto a seguir.

5. TAXONOMIA DE TREINAMENTOS NA PERSPECTIVA ORGANIZACIONAL

Reconhecendo que o termo treinamento é limitado, pois não abrange as diversas formas de induzir aprendizagem, todos os envolvidos com atividades afins já constataram que existem muitos tipos de treinamentos. Exemplos de classificações segundo alguns critérios:

- Local onde é estruturado: interno e externo

- Nível da estrutura organizacional: gerencial, operacional e técnico

- Natureza do processo de aprendizagem: conhecimento, habilidade e atitude (CHA)

- Desembolso: com ou sem custo

- Histórico: com ou sem registros

- Etc...

Todos esses tipos tem sua importância, porém nenhum deles tem um olhar organizacional, pois o ponto de vista organizacional contém intrinsecamente a expectativa do resultado. O porquê disso é simples: os gestores são avaliados pelos resultados que produzem. Nenhum desses tipos consegue transmitir essa idéia. E se isso não acontece, eles não conseguem avaliar, dar valor, e se não dão valor estão, em outras palavras, desvalorizando.

A perspectiva organizacional é outra. Gestores tomam decisões progressivamente pragmáticas. Em outras palavras, não é apenas o participante que questiona com frequência "O que eu ganho com isso?", mas também eles. E deve ser bem frustrante analisar um plano de treinamentos imenso, bem formatado, e ver informação alguma de interesse. Resta, como única alternativa, analisar da melhor forma, fazer alguns cortes, sugerir alguma coisa na melhor das hipóteses e, resignadamente, aprovar.

Em minha interpretação, os gestores estratégicos analisam o investimento em treinamento por meio dos seguintes critérios:

- Melhorar resultados da organização

- Atender requisitos de capacitação

- Desenvolver comportamentos e atitudes

- Atualizar conhecimentos

- Satisfazer desejos das partes interessadas

Em primeiro lugar, como não poderia deixar de ser, é a prioridade sobre os resultados, pois este é o paradigma em voga. Os treinamentos desse tipo não são obrigatórios e não foram prescritos como um requisito de entrada. A dinâmica competitiva e organizacional é turbulenta e a gestão tende mais a acreditar numa abordagem reativa, para resolver os problemas existentes, do que numa abordagem preventiva para evitar problemas que nem se sabe se existirão. Os treinamentos do tipo resultados são reativos pois, se alguma coisa precisa ser melhorada é por quê, de alguma forma, não está boa. As questões decorrentes disso, e que precisam ser previamente esclarecidas, são: o que será melhorado, quanto será, quem fará a medição e quando ela será feita. A abordagem é pragmática, utilitarista, baseado em vantagens quantificáveis. O treinamento é apenas um meio, pois o fim é o resultado desejado. Se o treinamento pudesse ser evitado,provavelmente seria, pois trata-se de um esforço a mais.

O segundo tipo compreende os treinamentos prescritos e compulsórios, em maior ou em menor grau. Esse grau varia desde a prescrição interna, como o conhecimento de procedimentos simples, até os legalmente prescritos, como os treinamentos para motoristas ou o de CIPA. Eles são obrigatórios, são mínimos, são exigidos e, ao menos dentro de um certo contexto, devem ser realizados, nem que isso não traga benefícios palpáveis. A questão da necessidade, portanto, pode chegar a ser até questionável mas, em muitos casos, isso já nem importa, pois a não realização pode acarretar em perdas pequenas, grandes ou, até mesmo, irreparáveis. A exigência desses treinamentos está prescrita em documentos, tais como procedimentos, normas, leis, portarias, estatutos, atos regulatórios, contratos, acordos, manuais ou qualquer outro documento interno ou externo que determine pré-requisitos de competência como condição para que algo seja feito ou realizado. Os treinamentos desse tipo são preventivos e, felizmente ou infelizmente, são menos prioritários do que os treinamentos com potencial de ganhos reais e em curto prazo. A grande maioria dos eventos de T&D são desse tipo.

O terceiro tipo envolve as atividades com o propósito de desenvolver, prioritariamente, pessoas, indivíduos, gente, talentos, grupos, equipes, o ambiente social, enfim todos os esforços focados numa perspectiva humanista. Mesmo que existam argumentos, pretextos ou motivações para a obtenção de resultados tangíveis, o foco é, na verdade, resultados humanos e sociais pois, os resultados concretos não são claramente definidos. Os resultados são observados nos rostos das pessoas e nos relatos de como a experiência de aprendizagem mudou o comportamento dos colegas e o ambiente de trabalho. Esse tipo de intervenção se propõe a mudar percepções, sentidos e significados, buscando níveis de consciência mais elevados e mudanças que afetem a relação com o mundo que o cerca. A qualidade de vida e a felicidade são os últimos estágios a serem atingidos nesse tipo de evento.

As participações em eventos com o propósito de avaliar novas tecnologias e conhecer práticas, tendências ou métodos compõem o quarto tipo de treinamentos na ótica organizacional. A aplicação do conteúdo é, por enquanto, uma mera possibilidade, pois o que se busca é conhecer essas novidades e também argumentos para sua adoção ou rejeição. Além disso, é importante estar em dia com o que está acontecendo no meio técnico e profissional sob o risco de obsolescência. Por isso, os profissionais participam de congressos, seminários e grupos de estudo. No entanto, se o propósito da participação num evento externo é de aplicação real e melhoria de resultados, então ele não se enquadra neste tipo, mas no primeiro. Aqui a intenção é ver o que acontece no ambiente técnico, na concorrência e em organizações semelhantes para eventualmente ser introduzido. A não ocorrência ou participacão em eventos desse tipo pode fazer com que a empresa perca tempo ou fique para trás.

Finalmente, o quinto tipo – atender os desejos das partes interessadas – se caracteriza pelos treinamentos ou eventos de aprendizagem que são oferecidos como uma forma de benefício, cujos resultados serão colhidos apenas por aqueles que os receberam e outros, eventualmente afetados indiretamente. O treinamento é um recurso entregue como uma doação e a organização que assim o faz, sente-se orgulhosa em poder devolver parte daquilo que recebe da sociedade. Os participantes dos eventos do quinto tipo podem ser da própria empresa, seus familiares, membros de ONGs e pessoas de comunidades vizinhas. A princípio não há um propósito organizacional tangível e nem uma exigência de qualquer tipo de retorno que não seja satisfazer as expectativas de stakeholders. Os relatos desse tipo de treinamento se encaixam muito bem para serem apresentados em balanços sociais das empresas.

Esses são os cinco tipos de treinamentos na perspectiva organizacional: melhorar resultados da organização, atender requisitos de capacitação, desenvolver comportamentos e atitudes, atualizar conhecimentos e satisfazer desejos de partes interessadas. Olhando de baixo para cima essa tipologia possui uma lógica progressiva em termos de potencial de benefícios tangíveis. Os objetivos da classificação dos treinamentos nesses tipos são, basicamente, dois:

- definir o perfil do investimento em treinamento

- escolher adequadamente o método de avaliação de eficácia

 

5.1 - Definição do Perfil do Investimento em Treinamento

A primeiro objetivo e vantagem da tipologia é definir o perfil do investimento em treinamento e desenvolvimento. Esse perfil se apresenta pela distribuição percentual do valor a ser investido em todas as atividades. Essa distribuição também pode ser feita com o percentual de horas previstas em todos os programas e eventos. O Quadro 3 abaixo apresenta quatro exemplos de perfis de investimento, cada um elaborado dentro de um contexto diferente.

 

Quadro 3: quatro exemplos de perfis de investimento em treinamento.

O plano de treinamentos número 1 concentra investimentos no primeiro tipo – resultados. Essa distribuição permite inferir que a empresa que o elaborou possui elevadas expectativas de resultados organizacionais. Já o plano 2 indica que existem problemas comportamentais, reais ou potenciais, significativos a tal ponto que recebeu 60% de todos os investimentos. O plano 3 parece indicar um esforço de incorporação de novas tecnologias ou, então, uma certa permissividade no uso de recursos. Finalmente, o plano 4 mostra uma distribuição mais concentrada na manutenção ou construção de competências especificadas. Pouco investimento será feito para a obtenção de resultados, porém valores razoáveis serão empregados para o desenvolvimento comportamental e de novos conhecimentos. Esse plano é o que pode ser denominado de plano típico, pois grande parte das empresas brasileiras gastam seus recursos com treinamento dessa forma. De certa maneira, isso explica porquê, na ótica organizacional, o treinamento devolve pouco resultado.

A distribuição da verba nos cinco tipos é estrategicamente reveladora e permite facilmente movimentar os recursos de acordo com o momento organizacional, coisa que o formato dos planos atuais, comumente organizados numa lista, não permitem.

Além disso, este formato de categorização permite identificar, de forma mais clara, qual é o retorno que cada tipo tem potencial de dar. Nos casos de elevado potencial, esses treinamentos precisam ser cuidadosamente desenhados, executados e acompanhados.

5.2 - Escolher o Método de Avaliação de Eficácia

O segundo objetivo do uso dessa tipologia é ajudar a escolher o método de avaliação adequado para cada tipo. Numa perspectiva humana, a do indivíduo, todos os treinamentos dão resultado, pois as pessoas saem diferentes a cada nova experiência de aprendizagem. A perspectiva organizacional, no entanto, não é tão otimista, pois poucos esforços no dia a dia tem o poder de propiciar uma contribuição estratégica, a não ser aquelas com propósito claro de promover mudanças.

Um cruzamento entre os tipos de treinamento e os principais métodos de avaliação pode ajudar a determinar qual método seria mais adequado para cada situação. Um caso típico é apresentado no Quadro 4.

 Quadro 4: matriz de escolha de métodos de avaliação

A indicação com X nas células da matriz significa que o método é aplicável para o tipo de treinamento da coluna da esquerda, enquanto que a indicação com o traço significa que o método não seria, a priori, indicado para aquele tipo. A configuração da matriz, bem como suas variáveis – níveis e tipos – podem ser ajustados segundo o contexto e o desejo da organização que o utiliza. Isso permite flexibilidade no instrumento para qualquer situação que se encontre. O ROE, por exemplo, poderia ser eliminado da matriz se a empresa não investe em eventos que beneficiem partes interessadas.

O uso deste modelo pode ser feito pela inserção da matriz no procedimento de treinamento de pessoas e a classificação de tipos nos formulários e relatórios da área (ver exemplo em anexo). A empresa que o adota pode ter à sua disposição um conjunto mais sofisticado de métodos de avaliação, porém sem ter que utilizar todos para cada evento realizado, mas apenas os métodos mais adequados para cada tipo de treinamento.

A classificação dos treinamentos num dos cinco tipos deve ser feita no momento em que eles são identificados ou planejados, de forma que sua avaliação seja imediatamente definida. Essa definição prévia do método de avaliação, já no plano anual de treinamento, ou seja a priori, tem mais potencial de evidenciar ganhos do que a definição a posteriori, feita após a realização do treinamento.

 

5.3 - Uso da Tipologia de Treinamentos em Organizações com Certificações da Qualidade

Muitas organizações no Brasil e no mundo, optaram por certificar seus Sistemas de Gestão da Qualidade – SGQ. Além da norma NBR ISO 9001, que é a mais popular, existem também a ISO/TS 16.949 do segmento automotivo, ISO/IEC 17.025 para laboratórios etc.

É comum o RH passar com dificuldades nas auditorias que ocorrem com frequência nessas organizações, devido à uma série de motivos que não cabe aqui destacar (ver ORIBE, 2006b). A tipologia aqui apresentada tem sido utilizada desde 2001 em organizações certificadas em diversas normas e em vários contextos, como o industrial, serviços e mesmo governamental, sempre com um elevado nível de sucesso (ORIBE, 2006a).

Além disso, essa tipologia pode auxiliar as áreas de T&D a implementar a norma ISO 10.015 – diretrizes para o treinamento, cujo capítulo sobre avaliação de resultados prevê até quatro tipos de avaliações, pressupondo uma escolha, em que a matriz de decisão apresentada no Quadro 4, mais uma vez mostrará seu valor.

6. CONCLUSÃO

Existem muitos métodos de avaliação de treinamentos, mas poucos tem sido empregados pelas empresas brasileiras. Mesmo que se conheça esses métodos, é difícil para o RH empregá-los sistematicamente, pois seria difícil escolher qual método utilizar.

Os estudos de processos julgamento e tomada de decisão citam as heurísticas como forma de direcionar decisões mais rapidamente. Um tipo de heurística, denominado heurística da representatividade, consiste em classificar as situações e definir a ação apropriada para cada tipo, o que acelera o processo de escolha. Para utilização desse processo é necessário definir claramente quais são os tipos de treinamento. No entanto, a tipologia de treinamentos é muito limitada e inadequada para o novo paradigma do RH de resultados. Uma tipologia de T&D numa perspectiva organizacional pode ajudar a decidir qual método é mais adequado, além de possibiitar uma visão mais clara dos propósitos e do potencial de retorno do plano anual de investimentos em T&D.

A adoção desse modelo permite uma participação muito mais efetiva da direção estratégica nas decisões sobre o investimento no capital humano, pois ela compeende com muita facilidade para quê os recursos são utilizados. A partir disso ela pode ajustar a distribuição do volume orçamentário segundo sua interpretação do momento organizacional ou competitivo, caracterizando um perfil de investimento.

Além disso, o cruzamento desses tipos com os níveis de avaliação mais consagrados – os quatro níveis de Kirkpatrick e o ROI de Phillips, bem como outros métodos alternativos, permite programar a priori qual o melhor método de avaliação para cada tipo treinamento, impedindo que o RH fique sozinho com a "batata quente" nas mãos em momentos de auditorias da qualidade.

Ambas contribuições são excepcionais para a função de T&D, sobretudo nos momentos atuais, quando se percebe um baixo nível de preparo da mão de obra e escassos recursos para melhor qualificá-la. Assim, ganham todos: os participantes, profissionais de RH, a organização e até outras partes interessadas na aprendizagem e nos benefícios dela decorrentes.

APÊNDICE

Formulário de LNT com aplicação da tipologia para definição a priori do método de avaliação de eficácia

REFERÊNCIAS

1. BAZERMAN, Max H. Processo Decisório. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

2. BIECH, Elaine. ed. Handbook for Workplace Learning Professionals. Alexandria: ASTD Press, 2008.

3. BOOG, Gustavo G. Manual de Treinamento e Desenvolvimento – (3ª ed.) Makron Books, São Paulo, 2001.

4. KIRKPATRICK, Donald L. Evaluating Training Programs: The Four Levels. 2. ed. Berret-Koehler, 1998.

5. KIRKPATRICK, Jim. Return on Expectations: best practices from the U.S. Federal Government. ASTD International Conference & Exposition. Anais. ASTD, 2011.

6. NBR ISO 10.015:2001 – Gestão da Qualidade - Diretrizes para o treinamento.

7. NONAKA, Ikujiro; TAKEUCHI, Hirotaka. Criação de Conhecimento na Empresa. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.

8. ORIBE, Claudemir. Matriz de Configuração: a perspectiva da gerência na taxonomia de treinamentos. Congresso Brasileiro da Qualidade e Produtividade. Anais. UBQ-ES, 2006a.

9. ORIBE, Claudemir. Como auditar as Competências. Banas Qualidade, São Paulo: Editora EPSE, ano XVI, n. 173, outubro 2006b, p. 34-37.

10. ORIBE, Claudemir Y. Papéis e responsabilidades para o sucesso [do treinamento]. Banas Qualidade, São Paulo: Editora EPSE, ano XVI. n. 179, abril 2007, p. 42-46.

11. PHILLIPS, Jack. The Handbook of Training Evaluation and Measurement Methods. 2. ed. Houston: Gulf, 1991.

12. PHILLIPS, Patricia Pulliam; PHILLIPS, Jack J. The Value of Learning: how organizations capture value and ROI. San Francisco: John Wiley & Sons, 2007.

13. PHILLIPS, Jack J.; PHILLIPS, Patricia Pulliam; HODGES, Tony Krucky. Making Training Evaluation Work. Alexandria: ASTD Press, 2004.

14. RODRIGUES JR., José Florêncio. Taxonomias de Objetivos em TD&E. In: BORGES-ANDRADE, Jairo E.; ABBAD, Gardênia da Silva; MOURÃO, Luciana; et al. Treinamento, Desenvolvimento e Educação em Organizações e Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 282-288.

NOTA

Em sua conferência no Congresso da ASTD em 2011, Donald Kirkpatrick afirmou que ele não deu o nome de 4 níveis e que nem saberia dizer quem deu. Seu filho James, que compartilhou a apresentação, respondeu prontamente: mom (mamãe)! No livro Handbook for Workplace Learning Professionals, Kirkpatrick afirma que foram as pessoas que leram seus artigos que começaram, espontaneamente, a denominar seu modelo de 4 níveis.

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